14 dias antes do Solstício de verão 1556 d.K.
- Caro Leif, como se sucedeu o aviso
aos fazendeiros?
- Considerando as circunstâncias, de
maneira favorável. É claro que uma pessoa jamais gosta de ser sobretaxada,
porém achei que a receptividade dos fazendeiros foi razoável. Imagino que,
comparada com o que ocorreu junto aos ferreiros, a reação desses homens foi
favorável, extremamente favorável. Falando sobre essa... delicada questão, o
que Vossa Majestade pretende fazer?
- O que deve ser feito.
De quatro carruagens vermelhas, no
modelo tradicional da Coroa de Terra per
Timorem desceram inúmeros soldados reais, os famosos denniars - os mesmo que guiam os cavalos dos encarregados. Saíram apressadamente, formando uma espécie de linha
defendendo duas pessoas, que vinham logo atrás.
Adornado com diversas insígnias e
joias, que mostravam sua importância, uma das duas pessoas que caminhavam atrás
da linha de denniars que lentamente
avançava era o rei: Frederick IX era alto, corpulento, trazia uma expressão
fechada em um rosto alongado, quase sempre denotando rigidez, e possuía
ameaçadores olhos azuis, capazes de assustar e inspirar medo. Além disso, sua
armadura toda com ornamentos de prata e ouro, e seus cabelos, loiros claros e razoavelmente
longos, transformavam Frederick em alguém ao mesmo tempo admirado e temido. A
outra era o velho Leif, um dos conselheiros da majestade.
Andando por entre a multidão que se
reunia perto do mercado, Frederick olhou para o grupo de amotinados, que
gritavam injúrias e mostravam fúria. Lentamente caminhou para encontrar-se com
esses, passando pelos guardas, falou:
- Existe algum representante de
vossos interesses?
Os rebeldes entreolharam-se, mas o
rei, com sua inteligência aguda, percebeu que a maioria olhou para um homem
específico: alto – consideravelmente mais que a majestade -, extremamente
musculoso, parcialmente careca, com um cabelo comprido preso em um
rabo-de-cavalo, tinha bigode e barbas por fazer, um nariz grande, cenho
franzido e olhos castanhos, desconfiados e levemente puxados, que, junto com a
pequena barriga, a enorme quantidade de pelos nos braços e as roupas sujas e
gastas, faziam com que tivesse uma aparência no mínimo desconfortável para um
transeunte que o olhasse. Apontando sua adornada e pomposa espada para esse
homem, Frederick falou com voz firme:
- Em Rine temos leis, leis que foram
feitas para serem cumpridas!
- Leis que fazem meus filhos
passarem fome, enquanto eu tenho que pagar pra um imbecil como você ter suas
carruagens, protetores e lutar suas guerrinhas. – falou em voz colérica o
irritado ferreiro para espanto da multidão, que subitamente parou de falar,
criando um sombrio silêncio.
- Cala-se! Como ousa questionar a
vontade de Kylvar, Deus
todo-poderoso? – falou perdendo a postura Frederick.
- Não estou questionando a vontade
de Deus, estou questionando a vontade de um bastardo! –falou com voz quase
gutural o agora irado ferreiro.
- Basta. – nesse momento Frederick,
enfurecido, cravou sua espada no homem, perfurando sua barriga. No entanto, a
vítima ainda reagiu com um forte soco com o braço esquerdo na cintura do rei,
que recuou, tirou sua espada e cravou-a novamente, dessa vez no peito do
moribundo.
No meio dessa confusão, caos
instalou-se no mercado. Pessoas fugiam pelas estreitas ruas, parte dos
ferreiros avançou, combatendo os denniars, que protegiam a majestade, parte
fugiu para casa, para alguma loja ou para suas ferraria, enquanto uma pequena
parcela da multidão tentava ajudar os rebeldes, tanto em uma postura de
confronto contra os soldados reais, quanto em uma postura de tentar resolver o
confronto. Outros apenas olhavam apavorados para tudo, sendo que algumas
crianças e mulheres chegaram até mesmo a chorar.
No meio do caos, um dos civis que
tentavam acabar com o confronto foi acertado acidentalmente por uma espadada de
um guarda e morreu, enquanto outro foi chutado violentamente por outro soldado.
No meio do confronto, que deveria ter por volta de 60 pessoas envolvidas –
sendo 21 desses denniars -, acabou com uma clara vitória real. Portando
armaduras, capacete e armas próprias para a matança, os guerreiros não tiveram
dificuldades de matar os ferreiros – com exceção de dois, que foram capturados.
O rei Frederick teve grande partição na luta, que acabou com apenas uma
fatalidade pelo lado imperial. No final, a majestade falou a Leif, em tom baixo
e obscuro, mostrando arrependimento:
- Essa não era a maneira que eu
esperava que as coisas acontecessem.
Escondido, atrás de um pilar, um
garoto de 13 anos assistiu a confusão.
Na taberna de Tägtgren, cinco
garotos conversavam. Com exceção de um, que era um guarda real – ou denniar -,
todos os outros eram estudantes da Universidade
de Rine, oficialmente Real Centro de
Estudos Antropológicos de Rine. Gustavo, alto, magro, com curtos cabelos
loiros, olhos levemente puxados, azuis, rosto muito fino e longo, com uma quase
permanente expressão de desconfiança, estudava direito nessa instituição e era
filho de Brodden. Na mesa, junto com amigos, exercitava a retórica:
- Nosso querido rei não se cansa de
nos presentear com cenas terríveis! Desrespeito à vida, propriedade e liberdade
alheia é recorrente. Brutalidade contra todos, principalmente os pobres que se
atrevem a rebelar-se contra seus mandos e desmandos.
- Bem dito. Imagine, Gustavo, como
me sinto, no momento em que sou um daqueles que fazem com que os desejos do
“poderoso” sejam feitos. É realmente um péssimo trabalho. – falou o também alto
e loiro Christian, que, ao contrário de Gustavo, possuía o rosto um pouco mais
arredondado, olhos castanhos claros, era um pouco mais corpulento, um cabelo um
pouco mais comprido e uma expressão de um verdadeiro apaixonado pela vida, com
olhos brilhantes, mas que podia, repentinamente, tornar-se alguém de expressão
soturna e deprimida, muitas vezes, como nessa noite, com grandes olheiras.
- Não vamos nos desanimar! Chegará o
momento da vingança. Chegará o momento em que o filho da puta do Frederick se
arrastará na merda com seus joelhos reais! – falou Augusto, um dos mais
empolgados opositores da monarquia da Universidade de Rine. Com sua personalidade
explosiva, seus olhos verdes, quase sempre com longas olheiras derivadas de
longas horas desperto, pensando no “glorioso futuro” que estaria por vir,
chamava a atenção pela expressão de preocupação que sempre tomava conta do seu
rosto. Seu rosto também era levemente alongado, tendo um curto e extremamente
preto cabelo, geralmente penteado para o lado com um gel, o garoto surpreendia
as pessoas quando, de uma face que mostrava preocupação e tensão, surgia um
grande e sincero sorriso.
- Só temos que tomar cuidado com o
tom de voz que falamos, Augusto. Nós nunca sabemos quando aparecerá um
monarquista para nos denunciar. – falou rindo Gustavo, que percebia na raiva do
estudante de teologia uma sinceridade muito aprazível.
- Precisamos fazer algo. Algo. Mas o
quê? – prosseguiu com sua retórica apaixonada Augusto.
- Um ataque “surpresa”. – falou
sorrindo Nicolas. Gordo, de olhos castanhos e cabelo da mesma cor. Tinha um
rosto arredondado, era de uma altura mediana – parecendo um pouco baixo pela postura
geralmente ruim e os quilos extras – e, apesar da expressão brincalhona, podia
mostrar-se perigoso – Vamos usar alguém, algum de nós, como o Christian, e
colocamos algo como explosivos, ou água envenenada perto do antro das víboras.
– completou o estudante de direito, colega do filho de Brodden.
Christian olhou assustado, mas antes
que pudesse falar alguma coisa, Gustavo interviu:
- O rei não apresenta a melhor
conduta possível. Mas fazer algo desse nível, seria... exagero! Além disso,
estás sendo muito utópico. Como poderíamos fazer esse tipo de feito? Você acha
que envenenar um rei, ou colocar explosivos em um lugar tão vigiado é algo que
cinco garotos inexperientes consigam fazer?
- É necessário fazer algo. E sentar
a bunda numa taberna não é o que nos fará acabar com o porco. – falou irritado
Augusto. – Além disso, o Ricardo tem o contato necessário.
- Sim... trata-se de um alquimista,
um senhor que sabe como fazer poções que podem ter os piores dos efeitos. –
respondeu Ricardo, um observador jovem de cabelos curtos e castanhos, com olhos
castanhos escuros, quase pretos, que estudava Sociologia no Centro de Estudos
Antropológicos, e, com sua comum expressão de desconfiança, poderia facilmente
ser tido como o mais precavido do grupo de amigos, e também o mais discreto.
- E como saberemos que ele é
confiável? – indagou Gustavo.
- Bem, digamos que ele tenha motivo
para apoiar um atentado.
- E qual seria esse motivo? – falou
Gustavo, com muita curiosidade.
- Ah, não me digam que vocês não
conseguem induzir... o que levaria um alquimista
a não gostar do rei? O que o rei poderia ter feito para ele? – cortou o assunto
Nicolas.
- Vocês deveriam estar mais atentos
às atitudes do rei. – respondeu Augusto – O nosso querido Frederick é conhecido
por sua perseguição aos alquimistas e todos aqueles que ele considera como
hereges, ou algo do tipo. Sua crença e devoção à Kylvar são conhecidas dentro e
fora de Terra. Também sou um devotado fiel, mas não por isso saio pelas ruas
atormentando todos aqueles aos quais não gosto da fé ou práticas. Essa é a
diferença entre um virtuoso e um tirano!
– terminou com ódio.
- E quem falará com o velho Jorge? –
perguntou Nicolas.
- Gostaria que Gustavo me
acompanhasse. Christian é muito tímido e imagino que não faria isso nem se eu
pedisse; Você é um gordo que não consegue ficar 5 minutos sem beber, imagino o
estrago que faria dentro de um templo; Augusto é um kylvaren fervoroso, se
recusa a entrar nesse tipo de lugar. Em outras palavras, restam apenas nós
dois. – explanou Ricardo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário