domingo, 31 de março de 2013

III



14 dias antes do Solstício de verão 1556 d.K.
            - Caro Leif, como se sucedeu o aviso aos fazendeiros?
            - Considerando as circunstâncias, de maneira favorável. É claro que uma pessoa jamais gosta de ser sobretaxada, porém achei que a receptividade dos fazendeiros foi razoável. Imagino que, comparada com o que ocorreu junto aos ferreiros, a reação desses homens foi favorável, extremamente favorável. Falando sobre essa... delicada questão, o que Vossa Majestade pretende fazer?
            - O que deve ser feito.

            De quatro carruagens vermelhas, no modelo tradicional da Coroa de Terra per Timorem desceram inúmeros soldados reais, os famosos denniars - os mesmo que guiam os cavalos dos encarregados. Saíram apressadamente, formando uma espécie de linha defendendo duas pessoas, que vinham logo atrás.
            Adornado com diversas insígnias e joias, que mostravam sua importância, uma das duas pessoas que caminhavam atrás da linha de denniars que lentamente avançava era o rei: Frederick IX era alto, corpulento, trazia uma expressão fechada em um rosto alongado, quase sempre denotando rigidez, e possuía ameaçadores olhos azuis, capazes de assustar e inspirar medo. Além disso, sua armadura toda com ornamentos de prata e ouro, e seus cabelos, loiros claros e razoavelmente longos, transformavam Frederick em alguém ao mesmo tempo admirado e temido. A outra era o velho Leif, um dos conselheiros da majestade.
            Andando por entre a multidão que se reunia perto do mercado, Frederick olhou para o grupo de amotinados, que gritavam injúrias e mostravam fúria. Lentamente caminhou para encontrar-se com esses, passando pelos guardas, falou:
            - Existe algum representante de vossos interesses?
            Os rebeldes entreolharam-se, mas o rei, com sua inteligência aguda, percebeu que a maioria olhou para um homem específico: alto – consideravelmente mais que a majestade -, extremamente musculoso, parcialmente careca, com um cabelo comprido preso em um rabo-de-cavalo, tinha bigode e barbas por fazer, um nariz grande, cenho franzido e olhos castanhos, desconfiados e levemente puxados, que, junto com a pequena barriga, a enorme quantidade de pelos nos braços e as roupas sujas e gastas, faziam com que tivesse uma aparência no mínimo desconfortável para um transeunte que o olhasse. Apontando sua adornada e pomposa espada para esse homem, Frederick falou com voz firme:
            - Em Rine temos leis, leis que foram feitas para serem cumpridas!
            - Leis que fazem meus filhos passarem fome, enquanto eu tenho que pagar pra um imbecil como você ter suas carruagens, protetores e lutar suas guerrinhas. – falou em voz colérica o irritado ferreiro para espanto da multidão, que subitamente parou de falar, criando um sombrio silêncio.
            - Cala-se! Como ousa questionar a vontade de Kylvar, Deus todo-poderoso? – falou perdendo a postura Frederick.
            - Não estou questionando a vontade de Deus, estou questionando a vontade de um bastardo! –falou com voz quase gutural o agora irado ferreiro.
            - Basta. – nesse momento Frederick, enfurecido, cravou sua espada no homem, perfurando sua barriga. No entanto, a vítima ainda reagiu com um forte soco com o braço esquerdo na cintura do rei, que recuou, tirou sua espada e cravou-a novamente, dessa vez no peito do moribundo.
            No meio dessa confusão, caos instalou-se no mercado. Pessoas fugiam pelas estreitas ruas, parte dos ferreiros avançou, combatendo os denniars, que protegiam a majestade, parte fugiu para casa, para alguma loja ou para suas ferraria, enquanto uma pequena parcela da multidão tentava ajudar os rebeldes, tanto em uma postura de confronto contra os soldados reais, quanto em uma postura de tentar resolver o confronto. Outros apenas olhavam apavorados para tudo, sendo que algumas crianças e mulheres chegaram até mesmo a chorar.
            No meio do caos, um dos civis que tentavam acabar com o confronto foi acertado acidentalmente por uma espadada de um guarda e morreu, enquanto outro foi chutado violentamente por outro soldado. No meio do confronto, que deveria ter por volta de 60 pessoas envolvidas – sendo 21 desses denniars -, acabou com uma clara vitória real. Portando armaduras, capacete e armas próprias para a matança, os guerreiros não tiveram dificuldades de matar os ferreiros – com exceção de dois, que foram capturados. O rei Frederick teve grande partição na luta, que acabou com apenas uma fatalidade pelo lado imperial. No final, a majestade falou a Leif, em tom baixo e obscuro, mostrando arrependimento:
            - Essa não era a maneira que eu esperava que as coisas acontecessem.
            Escondido, atrás de um pilar, um garoto de 13 anos assistiu a confusão.

            Na taberna de Tägtgren, cinco garotos conversavam. Com exceção de um, que era um guarda real – ou denniar -, todos os outros eram estudantes da Universidade de Rine, oficialmente Real Centro de Estudos Antropológicos de Rine. Gustavo, alto, magro, com curtos cabelos loiros, olhos levemente puxados, azuis, rosto muito fino e longo, com uma quase permanente expressão de desconfiança, estudava direito nessa instituição e era filho de Brodden. Na mesa, junto com amigos, exercitava a retórica:
            - Nosso querido rei não se cansa de nos presentear com cenas terríveis! Desrespeito à vida, propriedade e liberdade alheia é recorrente. Brutalidade contra todos, principalmente os pobres que se atrevem a rebelar-se contra seus mandos e desmandos.
            - Bem dito. Imagine, Gustavo, como me sinto, no momento em que sou um daqueles que fazem com que os desejos do “poderoso” sejam feitos. É realmente um péssimo trabalho. – falou o também alto e loiro Christian, que, ao contrário de Gustavo, possuía o rosto um pouco mais arredondado, olhos castanhos claros, era um pouco mais corpulento, um cabelo um pouco mais comprido e uma expressão de um verdadeiro apaixonado pela vida, com olhos brilhantes, mas que podia, repentinamente, tornar-se alguém de expressão soturna e deprimida, muitas vezes, como nessa noite, com grandes olheiras.
            - Não vamos nos desanimar! Chegará o momento da vingança. Chegará o momento em que o filho da puta do Frederick se arrastará na merda com seus joelhos reais! – falou Augusto, um dos mais empolgados opositores da monarquia da Universidade de Rine. Com sua personalidade explosiva, seus olhos verdes, quase sempre com longas olheiras derivadas de longas horas desperto, pensando no “glorioso futuro” que estaria por vir, chamava a atenção pela expressão de preocupação que sempre tomava conta do seu rosto. Seu rosto também era levemente alongado, tendo um curto e extremamente preto cabelo, geralmente penteado para o lado com um gel, o garoto surpreendia as pessoas quando, de uma face que mostrava preocupação e tensão, surgia um grande e sincero sorriso.
            - Só temos que tomar cuidado com o tom de voz que falamos, Augusto. Nós nunca sabemos quando aparecerá um monarquista para nos denunciar. – falou rindo Gustavo, que percebia na raiva do estudante de teologia uma sinceridade muito aprazível.
            - Precisamos fazer algo. Algo. Mas o quê? – prosseguiu com sua retórica apaixonada Augusto.
            - Um ataque “surpresa”. – falou sorrindo Nicolas. Gordo, de olhos castanhos e cabelo da mesma cor. Tinha um rosto arredondado, era de uma altura mediana – parecendo um pouco baixo pela postura geralmente ruim e os quilos extras – e, apesar da expressão brincalhona, podia mostrar-se perigoso – Vamos usar alguém, algum de nós, como o Christian, e colocamos algo como explosivos, ou água envenenada perto do antro das víboras. – completou o estudante de direito, colega do filho de Brodden.
            Christian olhou assustado, mas antes que pudesse falar alguma coisa, Gustavo interviu:
            - O rei não apresenta a melhor conduta possível. Mas fazer algo desse nível, seria... exagero! Além disso, estás sendo muito utópico. Como poderíamos fazer esse tipo de feito? Você acha que envenenar um rei, ou colocar explosivos em um lugar tão vigiado é algo que cinco garotos inexperientes consigam fazer?
            - É necessário fazer algo. E sentar a bunda numa taberna não é o que nos fará acabar com o porco. – falou irritado Augusto. – Além disso, o Ricardo tem o contato necessário.
            - Sim... trata-se de um alquimista, um senhor que sabe como fazer poções que podem ter os piores dos efeitos. – respondeu Ricardo, um observador jovem de cabelos curtos e castanhos, com olhos castanhos escuros, quase pretos, que estudava Sociologia no Centro de Estudos Antropológicos, e, com sua comum expressão de desconfiança, poderia facilmente ser tido como o mais precavido do grupo de amigos, e também o mais discreto.
            - E como saberemos que ele é confiável? – indagou Gustavo.
            - Bem, digamos que ele tenha motivo para apoiar um atentado.
            - E qual seria esse motivo? – falou Gustavo, com muita curiosidade.
            - Ah, não me digam que vocês não conseguem induzir... o que levaria um alquimista a não gostar do rei? O que o rei poderia ter feito para ele? – cortou o assunto Nicolas.
            - Vocês deveriam estar mais atentos às atitudes do rei. – respondeu Augusto – O nosso querido Frederick é conhecido por sua perseguição aos alquimistas e todos aqueles que ele considera como hereges, ou algo do tipo. Sua crença e devoção à Kylvar são conhecidas dentro e fora de Terra. Também sou um devotado fiel, mas não por isso saio pelas ruas atormentando todos aqueles aos quais não gosto da fé ou práticas. Essa é a diferença entre um virtuoso e um tirano! – terminou com ódio.
            - E quem falará com o velho Jorge? – perguntou Nicolas.
            - Gostaria que Gustavo me acompanhasse. Christian é muito tímido e imagino que não faria isso nem se eu pedisse; Você é um gordo que não consegue ficar 5 minutos sem beber, imagino o estrago que faria dentro de um templo; Augusto é um kylvaren fervoroso, se recusa a entrar nesse tipo de lugar. Em outras palavras, restam apenas nós dois. – explanou Ricardo.

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